Aprovado em dezembro de 2019 na Câmara dos Deputados e em junho de 2020 no Senado Federal, o Projeto de Lei (PL) 4162/2019, mais conhecido como Marco do Saneamento Básico, tem ganhado notoriedade pública nos últimos meses, embora a discussão acerca da qualidade do saneamento básico no Brasil não seja um assunto novo.

O saneamento básico compreende quatro principais tipos de atividades (abastecimento de água potável, coleta e tratamento de esgoto, limpeza urbana e reciclagem de lixo) e, no Brasil, apresenta deficiências estruturais notáveis. Segundo o Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento (SNIS), por meio do Diagnóstico dos Serviços de Água e Esgotos, em 2018, 83,6% da população brasileira tinha acesso a água tratada, enquanto somente 53,2% teve acesso a coleta e tratamento de esgoto. 

Como são celebrados atualmente os contratos de saneamento básico 

Segundo o pacto federativo vigente, o saneamento básico é de responsabilidade local, e é por esta razão que a maioria dos contratos celebrados no Brasil são de caráter municipal. 

Não existe, por lei, a obrigatoriedade de competição no setor de saneamento básico no país, o que explica a predominância de empresas públicas realizando este serviço. Segundo a Agência Brasil, a iniciativa privada é a responsável pelo saneamento básico em somente 6% dos municípios brasileiros, enquanto nos outros 94%, este serviço é realizado por companhias estaduais ou municipais, com a ajuda do governo federal. 

Apesar desta grande diferença na porcentagem de atendimento, as empresas privadas são  responsáveis por 20% de todo o investimento no setor, o que indica um investimento muito maior, proporcionalmente, ao investimento das empresas públicas que realizam o mesmo serviço. O baixo poder de investimento em saneamento básico que o poder público enfrenta é um dos principais argumentos dos defensores do Marco do Saneamento Básico, que acreditam que a iniciativa privada pode garantir a universalização da disponibilização do serviço com uma maior rapidez, visto sua maior capacidade de investimento no curto prazo. 

O que o Marco do Saneamento Básico determina?

Em linhas gerais, o principal objetivo do Marco do Saneamento Básico é garantir a universalização do saneamento básico no Brasil (99% de abastecimento de água e pelo menos 90% de coleta de esgoto para toda a população) até 2033. Para isso, o projeto de lei prevê uma série de determinações, sendo as principais: 

• Abertura de concorrência: os contratos passariam a ser de concessão, com obrigatoriedade de abertura de licitação para garantir a competitividade entre as empresas públicas e privadas;
  
• Padronização e regulação do serviço: definição de regras para a prestação de serviço para todo o país. Agência Nacional de Águas (ANA) como agência reguladora central dos serviços públicos de abastecimento;
  
• Realização do serviço em blocos: para evitar que a iniciativa privada somente invista em áreas cuja lucratividade seja garantida, ou seja, em municípios mais lucrativos, de maior porte e que já possuem uma rede de saneamento estruturada. A proposta prevê a possibilidade de exploração do saneamento básico por blocos, onde  áreas de maior e de menor interesse econômico seriam licitadas em conjunto;
• Fechamento de lixões: extensão do prazo de fechamento de lixões. A Política Nacional de Resíduos Sólidos determinava o prazo de fechamento de todos os lixões para o ano de 2021, de acordo com o tamanho dos municípios. O Marco do Saneamento aumenta esse prazo, estipulando como data limite o ano de 2024. 

Prazos para implantação e adequação dos contratos atuais

O Marco do Saneamento Básico prevê até o ano de 2022 para que os contratos atuais sejam mantidos, existindo a possibilidade de renovação destes contratos por mais 30 anos, desde que eles sejam readequados para também cumprirem as metas de universalização do sistema até 2033. 

Principais expectativas do Marco do Saneamento Básico

Considerando o déficit das contas públicas, agravado pela crise do novo coronavírus, o Marco do Saneamento Básico gera expectativa em duas áreas principais:

• Na saúde pública, visto que uma melhora no sistema de saneamento do país garantiria melhores condições de vida e de higiene de milhares de brasileiros, o que ajudaria na contenção do vírus. 
• No desenvolvimento econômico, considerando que a estimativa do governo é de que cerca de 700 bilhões de reais sejam investidos a partir da aprovação do projeto, gerando aproximadamente 1 milhão de novo empregos nos próximos 5 anos.

No entanto, segundo especialistas do setor, os efeitos do Marco do Saneamento Básico não serão imediatos, dado o tempo necessário para a sua implementação. Até que o período de finalização dos contratos existentes seja finalizado e novas licitações aconteçam, pode levar vários anos, o que pode significar que esta nova legislação não apresente efeito imediato no pós-crise no país.  

Considerações acerca do Marco do Saneamento Básico

Controversas, as determinações propostas pelo Marco do Saneamento Básico causam desconfiança nos opositores, que temem que a privatização deste serviço possa onerar ainda mais o consumidor final, além de aumentar as desigualdades no oferecimento do serviço. 

Por outro lado, mecanismos previstos no projeto de lei, tais como a possibilidade de licitação em blocos e também a regulação da prestação do serviço por meio da Agência Nacional de Águas (ANA), aparecem como respostas para minimizar essas desconfianças. 

Apesar das desconfianças e dos desafios enfrentados pelo Marco do Saneamento Básico, é inegável que a sua discussão é muito relevante e positiva no contexto atual, pois coloca em pauta as desigualdades regionais de disponibilização do serviço existentes no país, assim como a urgência da sua universalização para uma melhora na qualidade de vida de milhões de brasileiros.