A Gove Digital, antiga Muove Brasil foi destaque na edição de outubro do caderno especial do Valor Econômico que abordou o tema Inovação.
“Nosso foco são os municípios pequenos e médios, com no máximo 5OO mil habitantes, que são mais carentes de orientação econômica e não podem pagar uma consultoria muito cara”, afirma Fiori.
A matéria, reproduzida na íntegra abaixo, pode ser acessada no site do jornal.
Cuidar do que é de todos
Por Luiz Maciel
Um movimento ainda silencioso, mas bastante promissor, está ajudando a ampliar o acesso a serviços públicos, a dar mais transparência a atos administrativos e a melhorar, em vários aspectos, a gestão de prefeituras e até do Congresso. Os agentes dessa modernização são as govtechs, startups voltadas para o desenvolvimento – e venda – de projetos inovadores que combatem o desperdício e racionalizam o atendimento à população. “Quando você agiliza o contato do prefeito com os moradores numa rede social, por exemplo, as informações geradas resultam em economia e em decisões mais alinhadas às necessidades das pessoas”, sustenta Gustavo Maia, fundador e CEO da Colab, cuja proposta é exatamente essa: fazer a ponte entre prefeituras e cidadãos por meio de redes digitais, encaminhando as demandas dos moradores diretamente a quem pode resolvê-las.
No aplicativo desenvolvido pela Colab, a comunicação é sempre acompanhada por uma foto, seja de uma árvore que caiu no meio da rua ou de uma fila em posto de saúde que está travada por algum motivo. Feito o registro, ele é direcionado automaticamente às pessoas indicadas a tratar do assunto – o responsável pela desobstrução das vias, no primeiro caso, e o secretário de Saúde, no segundo, além do próprio prefeito, que recebe uma cópia de tudo.
Criada no final de 2013 por Gustavo Maia e outros quatro sócios, a Colab recebeu um empurrão fundamental poucos meses depois, antes mesmo de assinar o primeiro contrato com uma prefeitura, ao ser reconhecida pela Organização das Nações Unidas (ONU) como detentora do melhor aplicativo urbano do mundo. O prêmio chamou a atenção da organização social Comunitas, cujo programa “Juntos pelo Desenvolvimento Sustentável” é apoiado por empresários do porte de Jorge Gerdau (grupo Gerdau), Carlos Jereissati Filho (Iguatemi) e Pedro Paulo Diniz (Península Participações). “Nossos primeiros contratos, cem as prefeituras de Santos, Campinas e Pelotas (RS), foram financiados pela Comunitas.”
Para divulgar o serviço, a Colab também passou a oferecer, de graça, uma plataforma de comunicação mais simples, com acesso a um plantão telefônico para tirar dúvidas, a cerca de cem prefeituras. Os contratos pagos ¬ que preveem treinamento de funcionários, atendimento customizado, visitas técnicas ¬ vieram aos poucos, até o negócio finalmente engrenar neste ano. Recife e Teresina viraram clientes em 2016, Niterói em 2017 e já são sete as prefeituras que aderiram em 2018: Maceió, Aracaju, Santo André (SP), Juiz de Fora (MG), Ipojuca (PE), Mesquita (RJ) e Cruz Alta (RS).
Pela montagem da rede de cidadania com uma consultoria mais dedicada, a Colab cobra de R$ 38,4 mil (caso de Cruz Alta) a R$ 498 mil por ano (Recife, por exemplo). “O preço varia conforme o tamanho da cidade e a quantidade e profundidade dos levantamentos que fazemos”, diz Maia. Assim, a empresa, que sobreviveu nos primeiros anos com aportes de investidores ¬ recebeu R$ 450 mil em 2013 e US$ 1,25 milhão em 2016 ¬, já caminha com as próprias pernas. Faturou RS 1,1 milhão em 2017, espera uma receita de R$2.5 milhões este ano e projeta mais de R$ 4 milhões em 2019. Os contratos, pagos em dez parcelas, já somam R$ 4 milhões em 2018 e devem alcançar o dobro no ano que vem.
A ideia de criar uma startup que pudesse ser o um braço auxiliar das prefeituras ocorreu a Gustavo Maia em 2012, quando trabalhava com Marketing Político em Pernambuco. “Fizemos a pré-campanha de um candidato à prefeitura do Recife usando Facebook, que naquela altura já era acessado por 70% dos eleitores. No fim, o candidato foi vetado pelo partido e nem concorreu, mas o retorno que tivemos mostrou a força das redes sociais na construção de uma campanha colaborativa. Vimos que uma plataforma assim poderia ajudar muito no contato de gestores públicos com a população”, conta Maia.
A Gove Digital, antiga Muove Brasil, que oferece consultoria econômica de baixo custo a prefeituras, tem uma trajetória bastante semelhante à da Colab. Criada em 2015 pelos engenheiros Rodolfo Fiori e Ricardo Ramos, a principal proposta da empresa é identificar áreas onde as administrações municipais gastam demais e apontar soluções. “Usamos nosso banco de dados para comparar cidades de perfis semelhantes e entender porque uma está gastando mais que a outra”, explica Fiori.
Assim como a Colab, a Gove Digital recebeu apoio da Comunitas para fechar os primeiros contratos, mas hoje já atende cerca de cem prefeituras, que pagam de R$ 15 mil a R$ 150 mil por ano por seus serviços. “Nosso foco são os municípios pequenos e médios, com no máximo 5OO mil habitantes, que são mais carentes de orientação econômica e não podem pagar uma consultoria muito cara”, afirma Fiori, para quem a Gove Digital, antiga Muove Brasil, representa a realização de um sonho da juventude. “Queria devolver à sociedade o apoio que recebi ao ganhar uma bolsa de estudos numa escola particular de São Joaquim da Barra, no interior de São Paulo. Ela foi decisiva na minha formação”, conta. Para fundar a startup, ele e o sócio Ricardo Ramos, ambos com MBA e ocupando postos executivos em grandes empresas, abriram mão de altos salários ¬ mas não se arrependem.
Investir numa govtech pode ter tintas heroicas no começo, mas significa mirar num mercado que tem tudo para se expandir, justamente pela conhecida ineficiência do setor público. É nisso que acredita a aceleradora BrazilLAB, criada em 2016 com o objetivo expresso de apoiar startups com projetos inovadores para a gestão pública, especialmente nas áreas de educação e saúde.
“Cerca de 70% das escolas e de 90% dos hospitais brasileiros dependem do setor público, que não consegue garantir um bom atendimento à população. Na nossa visão, as soluções para melhorar esses serviços vão surgir de fora para dentro da máquina governamental, com a pressão dos empreendimentos privados com impacto social”, afirma a founder do BrazilLAB, Letícia Piccolotto.
Com alguns financiadores de peso ¬ a Fundação Brava, do sócio da Ambev Carlos Alberto Sicupira, o Bank of America Merrill Lynch e os institutos Jacob Lafer e Humanize¬, o BrazilLAB já acelerou 27 govtechs e prepara-se para apoiar outras 30, a serem selecionadas entre cerca de 1,3 mil inscritas.
As empresas escolhidas recebem um prêmio entre R$ 50 mil e R$ 200 mil e, mais que isso, ganham a atenção de investidores que podem dar sustentabilidade definitiva aos seus modelos de negócios.
As propostas da govtechs não são mirabolantes – ao contrário, partem de ideias simples que dão origem a aplicativos aparentemente simples também, mas eficientes. A Cuco Health, por exemplo, uma das startups aceleradas pelo BrazilLAB, desenvolveu uma ferramenta digital que basicamente se limita a lembrar idosos a tornar remédio na hora certa. Parece pouco, mas aumentou em 30% a adesão às prescrições médicas por parte de pacientes atendidos pelo programa Saúde da Família, de Juiz de Fora – MG. Com isso, o número de novas consultas e de internações desses pacientes diminuiu, aliviando as contas da prefeitura e do SUS.
Já a inovação da MobiEduca, também apoiada pelo BrazilLAB, foi criar uma plataforma de baixo custo para monitorar a frequência e o desempenho de alunos em 400 escolas públicas do Piauí. O comparecimento de estudantes passou a ser controlado por um cartão eletrônico que eles são obrigados a apresentar na entrada da escola ¬ dessa maneira, os pais são sempre avisados, por mensagens de celular, quando os filhos faltaram às aulas ou cometeram alguma indisciplina. Com essa comunicação em rede, envolvendo cerca de 200 mil alunos e 700 mil pais e familiares, a evasão escolar caiu 40%, municípios deixaram de perder recursos do fundo educacional da União e até o desperdício da merenda escolar foi reduzido.
Outra importante frente de atuação das govtechs é a luta pela transparência nas várias esferas do poder público, abrindo caminho para o controle dos gastos pela sociedade e, quando for o caso, a punição de atos de corrupção pelas instâncias jurídicas. Uma das startups que se dedicam a isso é a Operação Serenata de Amor, que construiu uma inteligência artificial – a robô Rosie ¬ para vasculhar o uso da cota parlamentar a que os deputados federais têm direito. A verba, destinada a cobrir despesas com passagens aéreas, combustível e alimentação, entre outras, varia de R$ 35 mil a R$ 45 mil por mês, conforme a distância da base eleitoral do parlamentar em relação a Brasília.
Em dois anos ele atividade, a Serenata de Amor¬ o nome, inspirado por uma marca de bombom, é referência a um escândalo na compra de chocolates que abortou a indicação de uma deputada sueca como primeira-ministra, nos anos 1990 ¬ identificou milhares de reembolsos irregulares e conseguiu a devolução de RS 50 mil aos cofres públicos por parte dos deputados.
Rosie identifica todos os excessos, que são enviados à controladoria da Câmara, mas nem sempre há devolução. “Nosso papel é identificar os abusos, comunicar a Câmara e esperar providências por parte dos deputados e da instituição”, afirma Natalia Mazotte, diretora da Serenata de Amor, que é mantida por doações e tem 70 mil seguidores no Facebook.