O Brasil é um dos países mais violentos do mundo, com uma taxa de mortalidade de 24,7 pessoas a cada 100 mil habitantes [1] e um total de 51 mil homicídios em 2018. Diante desse cenário, muitos gestores públicos enfrentam o desafio de combater a criminalidade e criar um ambiente seguro e tranquilo para os habitantes de suas cidade.
Com o intuito de fornecer ideias e ajudar na construção de propostas nesta área, queremos compartilhar o caso da cidade de Pelotas, que com a ajuda do Instituto Cidade Segura e do Programa Juntos Pelo Desenvolvimento Sustentável, tem aos poucos conseguido superar o cenário de crescimento da criminalidade no município.
Pelotas e a redução do índice de mortalidade
Em 2003, Pelotas era uma cidade bastante tranquila, com um índice de mortalidade baixo, contudo de 2003 a 2015 a cidade viu a violência crescer rapidamente, tendo um aumento de 488% no número de homicídios, de acordo com Secretaria de Segurança Pública do Rio Grande do Sul (SSP/RS), e chegando a uma taxa de mortalidade no município de mais de 30 pessoas por 100 mil habitantes em 2015. Em busca de soluções para esse problema, a prefeitura realizou uma parceria com a Comunitas e o Instituto Cidade Segura para formular um plano de combate à violência na região.
O primeiro passo desse processo foi realizar o georreferenciamento dos locais dos crimes, identificando assim as regiões e bairros onde eles ocorrem majoritariamente, assim como o dia da semana e os horários. Além disso, foi feita uma análise dos tipos de delito mais frequentes e do perfil das vítimas. Essa avaliação identificou que 51% dos homicídios foram execuções.
Em seguida, foi realizada uma pesquisa de vitimização, na qual uma amostra estatisticamente significativa da população foi entrevistada e questionada sobre quais tipos de violência sofreram nos últimos 12 meses. A partir dessas entrevistas, foi possível extrapolar os resultados para o restante da população. Essa pesquisa foi extremamente importante pois permitiu a identificação de um número de violências mais próximo da realidade. Além disso, foi possível analisar mais formas de violência que , em sua maioria, não são coletadas pelos boletins policiais. Entre as principais descobertas dessa pesquisa pode-se destacar que:
- 7,7% da população já havia sido vítima de roubo;
- 28% da população evitava sair a noite;
- 8,2% da população já sofreu ameaças graves.
A partir desse diagnóstico, foi feita uma pesquisa para identificar práticas exitosas nacionais e internacionais que poderiam ser aplicadas na região. As práticas escolhidas foram apenas aquelas que tiveram seu impacto comprovado por diversos estudos científicos. Esse critério baseia-se na premissa de que é necessária uma nova concepção de política de segurança, que saia do modelo antigo, que muitas vezes é reativo, desintegrado e genérico, e vá em direção a um modelo mais proativo, focado e com ações baseadas em evidências científicas.
As práticas implementadas em Pelotas
O instituto Cidade Segura, selecionou algumas práticas que se mostraram efetivas na redução da violência e poderiam ser aplicadas em Pelotas, dentre elas estão:
- Estratégia de atuação policial proativa para apreensão de armas de fogo e assim reduzir o número de armas ilegais. Essa estratégia resultou em uma redução no número de homicídios em 6 das 7 experiências avaliadas em diversas cidades dos EUA.
- Policiamento sobre microterritórios de risco. Diversos estudos mostram que uma grande parte dos crimes que ocorrem nas cidades, está concentrado em poucas regiões. Dessa forma, a partir de uma atuação intensa nessas áreas, ficou comprovada uma grande redução na criminalidade.
A partir da identificação dessas estratégias e de diversas outras, foram desenvolvidas políticas públicas e projetos específicas para a cidade dentro de 5 eixos: Policiamento e Justiça, Fiscalização Administrativa, Urbanismo, Tecnologias e Prevenção Social.
Dentre as principais delas estão:
- Policiamento e Justiça: Criação de um Projeto de Lei que estabelece uma remuneração ao policial pela apreensão de armas de fogo de porte ilegal. Essa iniciativa tem como base o estudo citado anteriormente sobre os impactos positivos da apreensão de armas ilegais.
- Fiscalização Administrativa
- Estratégia Cidade Tranquila: Uma vez por semana todos os órgãos do Gabinete de Gestão Integrada realizam um Plantão Integrado conjunto, das 22 às 5 horas, nos locais de maior incidência criminal, realizando vistoria em bares, boates, pessoas e veículos. Essa ação visa diminuir a perturbação do sossego e os crimes violentos de menor potencial de gravidade, especialmente nas madrugadas.
- Prevenção Social: Tem o objetivo de reduzir as chances de crianças e jovens entrarem para a criminalidade, por meio da garantia de direitos que vão desde a primeira infância até a juventude.
- Criação do programa Infância Melhor: Profissionais do Sistema Único de Assistência Social, realizam visitas semanais a famílias com crianças de zero a três anos, em situação de vulnerabilidade social para fortalecer as competências das famílias para educar e cuidar de suas crianças.
- Programa Famílias Fortes: Adaptação do programa de fortalecimento de vínculos familiares por meio de encontros semanais, para jovens entre 10 e 14 anos realizado nos Estados Unidos.
- Estratégia Escola da Paz: Para impedir a evolução de comportamentos violentos e de uma cultura de violência a Secretaria Municipal de Educação desenvolve uma série de ações dentro das escolas, dentre elas:
- Criação de Comissões Internas de Prevenção de Acidentes e Violência Escolar – Cipaves em todas as escolas;
- A implantação de Grêmios Estudantis em todos estabelecimentos de ensino;
- A elaboração de Planos Anuais de Prevenção da Violência na Escola, com a inclusão do tema da prevenção à violência no Plano Político Pedagógico.
- A realização de uma Gincana da paz no calendário escolar e a difusão de boas práticas entre escolas.
- Estratégia Segunda Chance: É um programa de reintegração social que visa dar mais atenção ao egresso e prevenir que ele volte a cometer atos criminosos. O programa propõe a criação de trabalho prisional, ampliação das atividades de formação e qualificação para o trabalho e suporte e inclusão em qualificação profissional após a saída.
- Tecnologias:
- Aumento no número de câmeras de monitoramento em áreas de alto risco e violência.
- Urbanismo
- Projeto Plano Diretor e Convivência: Propôs mudanças no plano diretor da cidade, para estimular a convivência por meio do incentivo a melhora de parques, praças, iluminação pública e da criação de mais zonas de uso misto (áreas comerciais e residenciais juntas).
O número de crimes violentos letais intencionais (CVLI) caiu de 102 em 2017 para 67 em 2019, uma redução de 34%
Desde sua criação até o fim de 2019, o programa tem mostrado resultados muito expressivos. O número de crimes violentos letais intencionais (CVLI) caiu de 102 em 2017 para 67 em 2019, uma redução de 34% [2]. Além disso, o número de homicídios dolosos e latrocínios foi de 113 em 2017 para 57 em 2019, uma diminuição de quase 50%. Esses resultados mostram a eficácia do uso de ações de segurança integradas, planejadas e com base em evidências científicas. Para se aprofundar mais nas ações implementadas pela Comunitas e o Instituto Cidade Segura, em parceria com a prefeitura de Pelotas, não deixe de checar esse link!
[1] https://igarape.org.br/wp-content/uploads/2019/05/nota_tecnica_homicidios.pdf
[2] http://www.pelotas.rs.gov.br/noticia/total-de-crimes-violentos-em-pelotas-e-o-menor-em-quatro-anos