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A LRF e COVID-19: Quais são os impactos da pandemia na lei

A LRF e COVID-19: Quais são os impactos da pandemia na lei

Em tempos normais, cumprir a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF, Lei Complementar nº101/2000) já é um desafio para muitos municípios, principalmente quando trata-se dos limites constitucionais de despesas de pessoal e encargos sociais. Em meio ao estado de calamidade pública causado pelo novo Coronavírus, cumprir a LRF e suas obrigações tornou-se ainda mais difícil – e, em alguns casos, reconhecidamente inviável.

1. O que é a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) 

A LRF foi promulgada no âmbito do Programa de Estabilização Fiscal, no segundo mandato do governo Fernando Henrique Cardoso. Ela estabelece normas gerais de finanças públicas, inclusive regras para geração de despesas e limites com despesas de pessoal e endividamento, e abrange todos os entes federados.

1.1 Quais são as metas municipais de LRF

No âmbito dos municípios, além dos mandamentos comuns, aplicam-se limites específicos: 

  1. a despesa de pessoal não pode ultrapassar 60% da Receita Corrente Líquida (RCL) [nota 1] – sendo 54% no Poder Executivo e 6% no Poder Legislativo –
  2. a dívida consolidada líquida não mais que 120% [nota 2] da RCL. 

O descumprimento desses mandamentos e limites pode representar desde infrações administrativas até crimes contra as finanças públicas [nota 3] por parte do gestor público. Além disso, pode impedir que o município realize operações de crédito, ou receba transferências voluntárias, dentre outras culminações.

1.2 O que pode alterar as metas de LRF

A  própria LRF, no entanto, reconhece que determinadas situações podem dificultar o seu cumprimento sem ofender outros bens valorosos à sociedade. Por isso, alguns de seus dispositivos conferem certa flexibilidade ao ente em caso de recessão ou calamidade pública. Vamos ver adiante como isso tem se operado até agora na atual pandemia de COVID-19.

2. Os limites com despesas de pessoal, endividamento e empenho

O Art.65 da LRF prevê que, em caso de calamidade pública, ficam suspensos os prazos para recondução da despesa de pessoal e da dívida consolidada líquida aos seus respectivos limites. Isso, no entanto, não quer dizer que sua extrapolação seja considerada regular, mas que o município não sofrerá nenhuma das implicações previstas para esses casos enquanto perdurar a situação.

Ao mesmo tempo, esse artigo também dispensa o município da limitação de empenho (mais conhecido como contingenciamento) em caso de realização de receita insuficiente, e dispensa o atingimento dos resultados previstos no Anexo de Metas Fiscais da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO).

2.1 Como funciona o reconhecimento da calamidade pública para fins do Art.65 da LRF

Para efetivar tal dispensa, é preciso que a assembleia legislativa do respectivo estado aprove o estado de calamidade pública. Em todo o Brasil, isso tem sido feito de várias formas. Apesar dessa falta de uniformidade, o município publica decreto declarando o estado de calamidade pública, e encaminha ofício ao parlamento estadual solicitando ratificação – como foi o caso, por exemplo, do Município de São Paulo. Já em Fortaleza, a Câmara Municipal foi chamada a endossar o decreto antes do envio à assembleia estadual. 

Por sua vez, para os demais municípios do Estado de São Paulo, o próprio Tribunal de Contas do Estado enviou ofício à assembleia propondo aprovação geral a todos os municípios que a solicitarem. Em Minas Gerais, a assembleia vem editando resoluções individuais para cada município. Enquanto isso, no Ceará, os decretos legislativos vêm sendo publicados para grupos de municípios, conforme chegam as solicitações [nota 4].

Importante: a Portaria MS nº188/2020 (Emergência de Saúde Pública), a Lei Federal nº13.979/2020 (medidas de enfrentamento da crise) e o Decreto Legislativo Federal nº6/2020 (reconhecimento do estado de calamidade pública) não são suficientes para aplicar automaticamente o Art.65 da LRF nos municípios! É preciso reconhecimento da assembleia estadual, conforme citado acima.

2.2 As exigências para criação de despesas

Acontece que o enfrentamento à pandemia da COVID-19 não impõe apenas um desafio fiscal, mas também administrativo. Diante da urgência das medidas a serem tomadas, os entes federados não conseguiriam cumprir no prazo necessário todas as exigências de planejamento impostos pela LRF para a criação, expansão ou aperfeiçoamento de incentivos fiscais, despesas continuadas e benefícios sociais.

Por isso, o próprio Poder Executivo Federal impetrou Ação de Direta de Inconstitucionalidade no Supremo Tribunal Federal para afastar a aplicação dos Art.14, 16, 17 e 24 da LRF enquanto durar o estado de calamidade pública. O pedido foi atendido em medida cautelar pelo Ministro do STF Alexandre de Moraes, que estendeu seus efeitos a todos os entes públicos que tenham decretado constitucional e legalmente estado de calamidade pública decorrente da COVID-19.

Dessa forma, ficam suspensas exigências como:

  • demonstração de que a renúncia foi considerada na estimativa de receita;
  • medidas de compensação por meio do aumento de receita;
  • estimativa do impacto orçamentário-financeiro da despesa no exercício em que deva entrar em vigor e nos dois subsequentes;
  • comprovação de que a despesa não afetará as metas de resultados fiscais;
  • declaração do ordenador da despesa sobre sua adequação e compatibilidade com as leis orçamentárias;
  • indicação da fonte de custeio total do benefício social.

Como a medida é cautelar, é preciso ficar alerta para o eventual julgamento no Plenário da Corte.

Importante: isso não afasta outras obrigações básicas, como a necessidade de prévio empenho para a realização da despesa! Se necessário, os municípios devem abrir créditos extraordinários por meio de decreto, e dar ciência imediatamente à câmara municipal, como prevê o Art.44 da Lei nº4.320/1964.

2.3 E depois da pandemia?

Além da calamidade pública, o Art.66 da LRF também previu mecanismos para facilitar seu cumprimento em caso de crescimento real baixo ou negativo [nota 5] do Produto Interno Bruto (PIB) nacional, regional ou estadual por período igual ou superior a quatro trimestres, conforme apurado pelo IBGE. 

Nessa situação, os prazos para recondução das despesas de pessoal e endividamento serão duplicados. Por outro lado, não haverá dispensa do cumprimento das metas fiscais.

Nesse ponto, cabe a seguinte questão: municípios que já estavam com seus limites extrapolados antes da crise continuarão sua “contagem de prazo” do mesmo ponto em que pararam, ou iniciarão um novo prazo desde o início? 

Talvez seja recomendável enviar consulta ao tribunal de contas do seu estado, individual ou coordenadamente com outros municípios. Paralelamente, você pode agendar uma avaliação do seu município com a Gove para melhor subsidiar sua ação.

  1. A definição de RCL está no Art.2º, inciso IV da LC nº101/2000.
  2. Conforme Art.3º, inciso II, da Resolução do Senado nº40/2001.
  3. Lei nº10.028/2000
  4. Fonte dos exemplos:
  1. LRF, Art.66, §1º “Entende-se por baixo crescimento a taxa de variação real acumulada do Produto Interno Bruto inferior a 1% (um por cento), no período correspondente aos quatro últimos trimestres.”
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